23 abril 2007

Capotes



O Bairro Alto, local de emoções fortes, possui uma aura de transgressão e de quebra de regras, e de perigos assomando das suas antigas estalagens, baiucas e tabernas, travestidas hoje em bares e mini-discos onde a juventude despeja “shoots” na ânsia sôfrega de percorrer rapidamente o caminho entre a felicidade efémera e a insolvência física .

A História truculenta do Bairro, ideada em tempos absolutos de leis do mais forte, está patente no pequeno trecho que transcrevo das Peregrinações de Norberto de Araújo. Acrescento que a parte final da história, já a tinha lido no Memorial do Convento, do nosso Saramago.

Norberto de Araújo chega à Rua da Vinha e fala-nos à porta do seu nº 20:

"Repara [NA dirige-se na sua obra a um interlocutor a que chama Dilecto], nesta espécie de largo, o pórtico da entrada, em arco de cantaria; (…) É uma adega e carvoaria sombria mas típica, antiquíssima, destas que remontam, escondidas e sem aura, ao século XVII, tempo em que seriam estalagens e casa de comidas. (…)

Segundo a tradição oral já recolhida em romances populares, e que certos indícios parecem confirmar, aqui se reuniam os Capotes Pretos do Infante D. Francisco, irmão de D. João V, bando que se travava de brigas nocturnas frequentes com os Capotes Brancos de Sebastião José de Carvalho e Melo, quando este, moço volteiro, não sonhava ainda ascender à diplomacia, que nele precedeu a actividade política de Secretário de Estado. (…)”

Agora pela Rua da Rosa:
“Aqui neste prédio nºs 148-154, está uma velha estalagem de recolha de saloias lavadeiras. (…) Ora segundo a tradição oral, foi aqui a taverna «estalajadeira», por onde nos começos do século XVIII Sebastião José, mais o bando de sequazes de brigas bairristas – nos quais o popular e o fidalgo se misturavam – tinham a sede nocturna dos Capotes Brancos, grupo, ao jeito do tempo, rival dos Capotes Pretos capitaneado pelo truculento Infante D. Francisco, Duque de Beja, senhor de trinta e sete vilas, e de onze alcaidarias, estoura-vergas e cruel, que certa vez para experimentar a sua pontaria alvejou e atirou ao mar um pobre marujo tranquilo na sua faina na verga do navio. (…)”

Outros tempos dir-me-ão. Que pensar então do bando de arruaceiros mentecaptos que há uns anos atrás, pelas ruas do bairro, perseguiu e matou alguém em prol de uma diferença genética menos que residual?

José Mário Branco cantou os capotes. Aqui está a letra.

16 abril 2007

O Inglês



Existe maior delícia para um português que ser elogiado por um estrangeiro? Com esta frase dúbia introduzo dois textos do mesmo autor. O seu nome é Richard Croker, capitão de infantaria inglês em viagem pelo nosso país nos idos de 1780. Os textos são datados e exprimem o desdém e soberba com que os membros do Império de Sua Majestade encaravam outros povos. No primeiro texto é notório que o capitão, na sua aproximação à cidade, se apaixonara por uma bela portuguesa, porventura de olhos negros, algures pelas estradas de Sintra. No segundo é evidente que depois de brincar com o fogo… terá pago a honra a alguém, varapauzado e cheio de negras, como tantas vezes Sancho Pança o foi por simples má sorte e destino.

Das mulheres:
“Era impossível não reparar, nas cidades em que passámos ultimamente, na diferença entre as mulheres de Portugal e as de Espanha.
As mulheres portuguesas são agradáveis, elegantes no vestir, com lindos olhos e dentes e belo cabelo muito abundante: nos seus penteados misturam fitas e flores com muito bom gosto e isto mesmo mulheres de classes baixas, pois não nos foi dado ver outras.
Em resumo, tem que se admitir que há mulheres mais bonitas e melhores mulas (sic) em Portugal que na Andaluzia.”
Já em Lisboa: “Um espectáculo que quase me esquecia de mencionar: refiro-me às senhoras portuguesas às janelas. (...) Como não se vêem mulheres nenhumas na rua, senão as de baixa condição, elas devem com certeza estar fechadas em casa e dizem que os maridos portugueses são extremamente ciumentos.”

Dos homens, depois de um encosto mais viril (assumpção minha):
“Os homens portugueses são, sem dúvida, a raça mais feia da Europa. Bem podem eles considerar a denominação de «ombre blanco» como uma distinção. Os portugueses descendem de uma mistura de Judeus, Mouros, Negros e Franceses, pela sua aparência e qualidade perecem ter reservado para si as piores partes de cada um destes povos.
Tal como os Judeus, são mesquinhos, enganadores e avarentos. Dos Mouros são ciumentos, cruéis e vingativos. Tal como os povos de cor são servis, pouco dóceis e falsos e parecem-se com os Franceses na vaidade, artifício e gabarolice. (…)
Os homens são notoriamente ciumentos e, se pode haver uma desculpa para esta paixão, deve ser que onde as mulheres são dignas de ser amadas e os homens tão opostos, surgem crimes privados e assassínios.”

Se existe dor, depois da injustiça desta descrição, ela é minha, pois de certeza que não somos assim, como os franceses.
Quanto às nossas mulheres, Lisboa presta-lhes homenagem nas curvas luminosas das suas colinas, pelas quais deixamos deslizar o olhar como um toque, um cheiro, um desvario.